10/08/2014

Doce Holanda

Tinha decidido dar um tempo de me envolver emocionalmente logo meus encontros com o sexo oposto estavam se limitando a uma noite no máximo. Te encontrei procurando alguém com data certa pra deixar a minha vida, ótimo você é "gringo" vai ficar no máximo uma semana e voltar pro seu país. Logo no primeiro encontro uma surpresa, você não queria me levar pra uma balada ou pra um bar "moderninho" como a maioria dos turistas, você queria me levar pra jantar e escolheu o restaurante mais tradicional da cidade pra isso. Juro que naquele momento já comecei a me sentir diferente, mas nada chegaria aos pés do que eu senti quando te vi pela primeira vez. Seus olhos que eram tão claros, uma mistura de verde com alguns minúsculos pontinhos marrons, seu sorriso aberto e acolhedor demais para um europeu, sua barba cerrada que te dava um ar sério que era facilmente quebrado por suas piadas e seu jeito espontâneo. Todo você era o que eu achava demais pra mim, me encolhi enquanto te apreciava. A nossa conversa fluiu tão bem e natural que parecia que nós nos conhecíamos há anos e rapidamente você se abriu pra mim falando de sua família, emprego e ideias de futuro. Você parecia um ser humano, sabe? Vivo, ali me contando experiências e não apenas mais uma boca pra beijar. Você me falou da Holanda e de terras ainda mais distantes e eu fiquei fascinada por tudo. Depois do jantar quando você me levou pra andar pela praia, fazia um vento tão frio e eu lembro que eu ria feito uma boba. Bem, eu havia passado da minha cota de caipirinhas aquela noite e só isso podia explicar meu riso fácil e minha vontade de dançar. Lembro que sorri, abri os braços e rodopiei como uma garotinha quando você finalmente me segurou e me beijou e eu senti tudo ao meu redor balançar. Depois disso muita coisa aconteceu, e eu fui parar inevitavelmente na cama do seu hotel e acordei com seus braços em volta de mim. Lembro como foi difícil dizer adeus. E você me garantindo que em algumas semanas eu o veria de novo. E eu ainda acredito nisso. Em breve vai fazer uma semana que isso tudo aconteceu: que passamos a noite juntos, que fomos a praia no dia seguinte e passamos o resto do dia conversando e eu cada vez mais vulnerável a você. Quando recebi sua mensagem no outro dia eu não acreditei, dizendo que o final de semana tinha sido ótimo e que eu era maravilhosa. Você balançou completamente minha auto-imagem me mostrando que eu não era um patinho feio. E sabe o que é pior? Eu estou aqui escrevendo sobre você e torcendo com todas as minhas forças para que um dia eu volte a te ver sorrir de manhã, com cara de menino despreocupado.


9/27/2014

Hoje eu acordei e segui com a rotina. O dia estava ok, o clima com aquele céu pesado prestes a cair, o tempo úmido e abafado ao mesmo tempo que poderia fazer qualquer um querer gritar de desespero. Não a mim, estava acostumada. Chequei o telefone, você tinha respondido minha mensagem com um "Ok"; perguntei se tinha algo errado e você respondeu que não. Eu sabia que tinha, claro que tinha. O errado é que eu tava ali rastejando aos seus pés como sempre, prendendo a respiração a cada mensagem sua que chegava pelo menos três horas depois de eu ter enviado alguma coisa e as vezes a resposta não chegava. Eu não merecia que você se desse ao trabalho de me responder. Engoli mais um calmante e observei a tremedeira do corpo suavizar, nessas horas eu gostaria de ser fumante pois dizem que um cigarro resolve tudo. Acontece que eu não fumo, eu mal bebo e não tenho outra maneira de esquecer e fugir de você.
Mas hoje eu que sempre fiquei tão encolhida, tão escondida atrás de você, resolvi sair e deixar a chuva bater na minha pele, me assumir como ser humano e não como um enfeite que precisa ser cuidado. Era assim que você me via não é? Uma boneca enfeitando a sua estante, linda com os cabelos penteados e enfeitada de jóias porém morta e ao seu dispor, ao término da brincadeira era simples coloca-la de volta na estante e apenas lembrar-se dela quando a vontade de brincar batia de novo. Mas eu não quero mais brincar, não quando meus sentimentos estão em jogo. Eu ganhei vida e pulei fora da sua estante. Por mais que dentro de mim ainda existe aquele sentimento que me pede pra correr pra você, implorar pra ser cuidada novamente porque isso seria bem mais fácil, eu não vou ceder a isto. Não, a hora do recreio acabou e está na hora de ser responsável pela minha existência.

9/24/2014

Descarrilamento.

Dor, lágrima, sofrimento: esconder. Livro. Caderno. Estudo. Forçando e forçando. Concentre-se: Foucault e Roland Barthes. Tente. Esqueça. Apague. Lágrimas: engula-as. Dor. Lembrança. Celular. Foto. Olhos verdes. Sorriso. Lembrança. Sofrimento. Dor. Lágrimas. Ele. Separação. Distância. Raiva. Amor: ele.

8/25/2014

Basta

A imagem no espelho me parecia estranha esta manhã, como se eu não reconhecesse mais a menina que me encarava de volta naquela imagem. Os olhos inchados e vermelhos e as pesadas bolsas embaixo dos olhos eram uma lembrança de como havia sido a última noite. Na cama, o travesseiro ainda se encontrava encharcado de lágrimas. Não era assim que eu tinha planejado passar essa viagem para esse lugar paradisíaco. Da janela do hotel eu posso ver a praia e os pássaros, o mar tão azul e convidativo. O dia está lindo e o sol brilhando e por um momento desejei que você ainda tivesse comigo, aqui nessa varanda segurando minha mão e me dando "sweet little kisses" como você os chama. Mas não existe mais você pra mim, não existe mais nós. Eu passei a noite inteira chorando e me perguntando onde foi que eu errei, o porquê das coisas  terem se dado desta forma se até uma explicação você me negou.
Mas hoje chega, hoje não vou ser mais escrava do passado, não sou mais sua escrava. Hoje é o dia que eu resolvi passar por cima de nós, do passado e decidi que eu não preciso de você para me completar. Eu tenho que ser inteira e me relacionar com pessoas igualmente inteiras. Coloquei o meu biquini, arrumei o meu melhor sorriso e estou indo pra vida. Sem ninguém pra me proteger ou pra me segurar quando eu cair mas eu vou aprender a levantar sozinha das minhas próprias quedas. Hoje eu vou descobrir o que a vida tem pra mim e me descobrir mais ainda enquanto mulher. Apaguei sua última foto do meu celular. Hoje eu estou, finalmente, dando adeus para você.

8/22/2014

Ela acordou sobressaltada no meio da noite, todo seu corpo suava e tremia sem cessar. Agora acordada não conseguia mais se lembrar do que havia a feito acordar daquela forma mas por um tempo as sensações de frio e calor se misturaram. Ao se dirigir a janela e encarar o céu noturno estrelado ela se perguntou se por um acaso esse não seria o mesmo céu que ele estaria olhando agora. Ou será que lá onde ele estava, do outro lado do oceano, já fosse de manhã e a lua já teria ido se esconder dando lugar a um céu azul e frio. Ela leu tudo que encontrou sobre o país dele e sabia dizer de cor algumas informações: temperaturas baixas, três línguas oficiais (alemão, francês e o neerlandês conhecida como “dutch”), culinária famosa por chocolates e cervejas e tantos etc. Mas saber de tudo isso não ajudava em nada na situação e definitivamente não ajudava a decifra-lo melhor. Porque apesar de saber tudo, como uma boa menina que faz seu trabalho de casa, essas informações eram vazias diante do olhar dele ou do sarcasmo ácido. Ainda não inventaram um “Google” para ensinar a lidar com relacionamentos, com a distância e a dor que ela provocava. Ela estava tentando não estimular a tristeza, tentando não se entregar a esses sentimentos que a puxavam pra dentro de si mesma. Mas era sempre a mesma coisas, as mesmas músicas que tocavam e tudo a lembrava dele e do que não podia lembrar, ou pelo menos não queria.
Pra fugir dos pensamentos ela voltou para cama e checou o celular, um outro rapaz que estava flertando com ela havia mandado trechos de Goethe. Pobre rapaz mal ele sabia que quando ela lia aquilo sua cabeça voava pra bem longe dali e ia lá para o outro lado do mundo onde estava os olhos verdes com os quais sonhava. Por que não simplesmente desapegar de tudo isso e esquece-lo ? Virar as costas e fechar a porta para todo esse sofrimento que agora a corroía por dentro. Mas ali, naquele momento com o celular na mão ela ia mesmo a procura das poucas fotos dele que ainda mantinha guardadas, como aquela dele deitado na cama com um sorriso aberto e convidativo. Não parecia o mesmo homem que respondia "Ok" com tamanha frieza, parecia um homem que era capaz de a abraçar a noite inteira enquanto lhe dava pequenos beijos. Ele era capaz das duas coisas: de ferir e de fazer sarar.
Mas tinha acabado e agora ela sabia disso. Não havia mais saída de emergência ou justificativas. Era o fim. Deitada na cama ela deixou as lágrimas lhe escorrerem quentes pelas bochechas enquanto no seu IPhone tocava aquela música que agora fazia tanto sentido para ela.

"I know it's over
And it never really began
But in my heart it was so real"
The Smiths - I Know It's Over

8/12/2014

Simples Felicidade

Ela se espreguiçou preguiçosamente ao sentir os primeiros raios de sol entrando pela janela entreaberta. Sentindo os movimentos dela na cama ele resmungou algo a fazendo rir baixinho, ele realmente tinha um sono muito leve. Depois de levantar e se dirigir ao banheiro ela ficou um bom tempo se encarando no espelho, a imagem que via pela primeira vez a agradava completamente: a camisa dele que lhe servia de pijama era claramente grande demais para seu corpo, os cabelos caiam completamente desalinhados nos ombros mas seu sorriso era tão simples e genuíno. Aquela felicidade que advém de uma noite incrível do lado de alguém que se ama. Ela ainda podia ver os momentos da noite passada totalmente vivos em sua memória, o exato instante em que ele a tocou pela primeira vez e que a fez sentir o quanto tudo aquilo era real e estava realmente acontecendo. Ele era real, estava logo ali dormindo na cama e ele tinha esse incrível poder de a fazer se sentir viva de novo. Cada parte de seu corpo estava viva e respondia ao toque dele como se fosse uma conexão única. Feliz, confiante e radiante ela andou até a varanda da suíte. A vista de todo o mar do Leblon a fez sorrir de novo, o lugar era lindo e o vento fazia um suave carinho nas suas bochechas. Até que ela sentiu as mãos quentes e firmes na sua cintura e logo depois os beijos doces no seu pescoço. Ela se virou e lá estava ele, sorrindo:

- Volta pra cama, princesa.

8/11/2014

Frio

Ela fixou seus olhos no céu que agora adquiria uma coloração alaranjada, o clima estava ameno mas ela já podia sentir sua pele arrepiando do frio. Enquanto ele passava a mão pelos cabelos dela de uma forma tão gentil ela deixava sua mente vagar e os sentimentos se confundiam. Ali deitada no colo dele na parte de trás de uma caminhonete velha no meio da floresta, ela se perguntava quando foi que deixou chegar a esse ponto. Quando foi mesmo que ele entrou na sua vida ? E quando foi a última vez que ela tinha ido tão longe de casa, tão longe de sua zona de segurança habitual ? Ela não estava acostumada com o frio, nem o frio do lugar e nem a frieza dele que as vezes era tão incoerente com tudo mas ali estava ela se deixando acariciar por aqueles dedos frios, deixando mais uma vez ser arrastada pra dentro daquele turbilhão de emoções. Uma risada abafada dele a trouxe de volta de seus devaneios.
- Eu falei para você trazer um casaco mas como você é muito teimosa vai ficar ai morrendo de frio.
As palavras dele saíram carregadas de um humor ácido e quase cruel. Ela se virou pra olhar o rosto dele que parecia amistoso e sério ao mesmo tempo, exibindo um sorriso cruel no canto dos lábios. O frio tomou conta dela de novo a fazendo tremer, seria o frio daqueles olhos ou só o vento ? E por que se sentia tão ferida e tão amada ao mesmo tempo ? A ambivalência iria sempre definir aquela relação, se é que aquilo pudesse ser chamado de relação. Ele a puxou pra cima e a abraçou forte enquanto ela tremia levemente de frio, o gesto foi suave e tranquilo. Era como se apesar do suposto carinho o medo e a insegurança continuassem ali vivos, a maltratando e trazendo sofrimento. Era assim que ia funcionar sempre, como algo que fere e faz sarar ao mesmo tempo.